Expiação

Daniel Sampaio

Sai na edição de hoje do Diário de Notícias uma entrevista a Daniel Sampaio, ex-Vice Presidente da MAG do Sporting Clube de Portugal, que está disponível na internet em versão impresa ou transcrita.

Apesar das maiores chamadas e títulos da entrevista serem acerca das actividades de Paulo Pereira Cristóvão, julgo que as restantes secções, tanto referentes ao funcionamento do órgãos sociais anteriores, como ao processo pré-eleitoral deste ano.

Destaco:

[Reunições com o CD; Godinho Lopes] Falava de milhões sobre coisas que percebíamos que não tinham uma sedimentação rigorosa. Nunca vi membros do CD emitirem uma posição significativa sobre o Sporting. Ele falava sozinho, passava o tempo e a reunião acabava.

[Reestruturações] Não havia reestruturação, havia projectos. A 25 de janeiro fomos recebidos no BCP pelo seu presidente, Nuno Amado, que nos disse que não havia reestruturação nenhuma. E mais, garantiu-nos que o BCP só colaborava com a reestruturação com tudo escrito, quer com o atual presidente, quer com o futuro se houvesse eleições. […]Nesse dia percebemos que o principal credor do Sporting, que é o BCP e não o BES, acabava de nos dizer que não havia reestruturação nenhuma. Era uma mistificação do CD, que numa reunião em dezembro nos chegou a dizer que a reestruturação iria ser feita até final de dezembro.

[Convocação da AG] Na conferência de imprensa sobre o funcionamento da AG foi atingido com ovos. […] Estávamos no auditório e tínhamos solicitado aos serviços que identificassem os sócios. Essa identificação não foi feita. Depois começaram os insultos e os palavrões e sete ou oito indivíduos levantaram-se e atiraram ovos. […] E o processo seguiu para a polícia e para o DIAP. Depois constituí-me assistente do processo e tenho também uma investigação particular para acompanhar o processo.

[Pré-eleições 2013] Um pequeno grupo é que designava o presidente ideal. Quando se diz que é o candidato da banca devo dizer que é o candidato de um banqueiro [José Maria Ricciardi;…] foi ele que me convidou. E foi ele que me contou que com José Eduardo Bettencourt procedeu-se da mesma maneira; havia nomes e um grupo escolheu José Eduardo Bettencourt. […] José Maria Ricciardi disse que já tinha contactado investidores, que tinha o meu nome aceite pelos investidores e aprovado por um grupo de notáveis do Sporting. Rejeitei por duas razões. Primeiro porque não tenho disponibilidade nem conhecimentos. Segundo porque achei o processo terrível. Como se escolhe um presidente desta maneira, sem programa, sem saber o que a pessoa verdadeiramente pensa só porque é uma pessoa conhecida e que se pode opor a um candidato do povo do Sporting?

[“Casta de pseudo-dirigentes”] Pessoas ligadas ao CD e Conselho Leonino (CL). Até 23 de março o Sporting foi dominado por um pequeno grupo de pessoas bem-falantes, que estão afastadas dos sócios do Sporting. E explico. Godinho Lopes propôs-me que chegasse junto dos miúdos do movimento e dissesse para eles retirarem o requerimento. […] Havia um desprezo total, visível em várias AGs. As propostas dos sócios eram sublinhadas com sorrisos e apartes de membros do CD. Havia um desrespeito pela opinião dos sócios que fosse diferente da deles. No CL a mesma coisa. As intervenções dos conselheiros eram por que razão não tinham acesso ao croquete. Uma verdadeira vergonha.

Da voz de um dos principais actores do mandato anterior, toma-se conhecimento de algo já há muito suspeitado. O Sporting Clube de Portugal tem estado nas últimas décadas sob o controlo de uma cáfila de banqueiros, gestores e supostos benfeitores que presumem para si as escolhas e as definições estratégicas. Gente que, de acordo com o testemunho de Daniel Sampaio, estão na disposição de tudo para manter o seu jugo sob o clube que deveria ser de todos os seus sócios. Pressionar, subornar, especular, humilhar, agredir.

Ao contrário dos gestores dos outros clubes que definem o panomara desportivo nacional, que recorrem a este tipo de expedientes para se beneficiarem através do sucesso desportivo, os gestores que têm dominado o Sporting Clube de Portugal fizeram-no sem interesse pelo sucesso desportivo, apenas por aquele que consiga manter os níveis de constestação baixos. Pode-se até especular que, tal como nos estranhos processos de desvalorização e transferência de João Moutinho, Izmailov ou Ricky van Wolfswinkel, pretenderam o seu próprio benefício à custo de competitividade desportiva.

Agradeço ao Dr. Daniel Sampaio ter tido a hombridade de ter tornado pública toda esta informação. No cumprimento do seu mandato e no respeito aos e pelos sócios, figura máxima que lhe cabia representar, foi um leão sem igual.

Fica a lição: os sportinguistas têm que se informar e manter a memória associativa, e têm que decidir tomar parte activa no processo político e decisório do clube, sob pena de, se não o fizerem, voltarem a desbaratar a sua identidade e honra em favor de um conjunto de ignóbeis “terroristas de gravata”.

Alvos preferenciais

Ricky

Ontem tivemos mais alguns excelentes exemplos, sintomáticos do que é ser Sporting Clube de Portugal no futebol português neste momento da sua e da nossa história.

O único ponta-de-lança do plantel, já vendido fora de mercado de transferências por suposta necessidade e suspeitável ganância, faz uma excelente exibição marcando os 3 golos e enviando um míssil à barra. Ricky, na sua curta carreira leonina, leva sete golos em quatro jogos contra o Braga (dois hat-tricks).

O recém-eleito presidente Bruno de Carvalho participa como delegado, sentando-se no banco e demonstrando mais envolvimento emocional e motivacional que muito poucos dos seus antecessores possuíram. Não sendo a atitude mais convencional, compensa em algo que faz falta ao Sporting para que consiga recuperar a sua identidade: raça e carisma.

André Martins também teve um papel preponderante no jogo de ontem, em particular enquanto a frescura física durou. Mostrou ter potencial para, numa época sem lesões ou desaparecimentos misteriosos, ser um titular essencial no onze da equipa. Um pouco à semelhança do que se passou com Cédric: depois de ter sido escudado das suas exibições mais fracas, regressa agora à titularidade no lugar do seu substituto. Que tenha a capacidade de agarrar o lugar, e teremos um quarteto defensivo mais comspetente e talentoso na próxima época. A propósito, julgo que o comportamento do quarteto defensivo após a (injusta) expulsão poderá ajudar o treinador a rever a sua abordagem. Porque não apostar em Rojo-Ilori-Dier-Cedric?

Quem assistiu ao jogo prestando atenção ao comentadores, ou quem valorize a opinião de paineleiros profissionais, diria que o jogo de
Read the rest of this entry

Presidente

Bruno de Carvalho

Os sócios escolheram: Bruno de Carvalho será o próximo presidente do Sporting Clube de Portugal a partir da tomada de posse que se prevê que tenha lugar dia 26 de Março de 2013. Não deixa de ser simbólico que consiga a eleição exactamente dois anos depois das últimas eleições, período de tempo em que a instituição perdeu competitividade, representatividade, equilíbrio interno e respeito externo, encontrando-se neste momento num nó górdio muito mais apertado do que antes.

A candidatura de Bruno de Carvalho terá conseguido, ao que demonstram os resultados parciais, a vitória em todos os órgãos sociais. Destaco também a valorosa votação da Lista D ao Conselho Fiscal e Disciplinar, prevendo-se que consiga eleger um vogal graças aos 18,89% de votos, conseguindo assim o sétimo elemento de uma composição que se prevê igualmente dividida entre as listas B e C, sob a presidência de Jorge Bacelar Gouveia.

Aos restantes sportinguistas restará apoiar as equipas, acompanhar e avaliar a gestão e opções dos órgãos sociais, e participar activamente na vida do clube, sendo uma altura tão boa como qualquer outra para apelar à adesão a sócio. O clube somos nós!

Hora de escolher

Não poderia deixar acabar o dia de hoje sem comentar a campanha eleitoral e deixar uma nota final sobre as eleições de amanhã. A  campanha eleitoral culminou com os debates realizados esta semana e, ao contrário do que tenho lido por aí, achei-os esclarecedores. Mas não no sentido tradicional; os debates serviram para identificar, vendo para além do frenesim mediático criado com essas iniciativas, os papeis dos intervenientes.

Quem surge por carolice, com as soluções possíveis mas com genuína vontade de ajudar, à sua maneira, a resolver os problemas do Sporting Clube de Portugal, mesmo que obviamente limitado dos pontos de vista comunicacional, desportivo e da capacidade de gestão.

Quem, usando o seu estilo provocatório e obstinado muito próprio, se alicerça no trabalho desenvolvido ao longo de anos de participação activa na vida do clube, num projecto de gestão desportiva e financeira amadurecido e numa equipa que, apesar de imperfeita por apresentar alguns elementos de influência demasiado politizada,  não esconde a sua própria responsabilização em elementos a contratar ou comissões de gestão remota.

Quem, tendo sido arregimentado nas condições que se conhecem, se faz valer do seu passado sofrível no futebol para esconder a sua falta de capacidade decisória e impreparação para a função e respectivas responsabilidades, se serve das suas bases “notáveis” de apoio para criar uma campanha de escala  e mobilização artificiais, se suporta numa equipa que ameaça ser a ponta de um iceberg de profundidades insondadas (embora não propriamente desconhecidas) e que expõe o seu real carácter e verticalidade quando confrontado com factos e ligações indiscutíveis do seu passado.

Quem se apresenta, no órgão em que a independência deveria ser o critério mais relevante, como única lista realmente desassociada de outros candidatos e correntes de influência histórica no clube.

Pessoalmente, tenho as minhas escolhas definidas. Entre um caminho de esperança, de renovação, de carisma e galvanização de massas, e outro de serviço a interesses,  silenciamento associativo, prepotência e alheamento, nem poderia fazer outras escolhas.

Campanha meio vazia

Até ao momento a campanha eleitoral tem estado centrada em entrevistas individuais, sem contraditório e com entrevistadores muito passivos, e na troca de galhardetes entre as listas, sem referência às soluções apresentadas de parte a parte.

Do ponto de vista das candidaturas menos preparadas esta abordagem faz sentido, por permitir esconder as suas maiores lacunas. Por exemplo, como se compreende que haja candidaturas que ainda não apresentaram estrutura e planeamento previsto para a gestão dos aspectos desportivos do futebol, para além dos transversais clichés da aposta na formação, e prefiram concentrar-se na comparação de experiências passadas e credibilidade?

Por outro lado a candidatura da lista B, que partiu com maior avanço na preparação efectiva, presiste embrulhada neste espectáculo mediático de discussão formação de listas, apoios e julgamentos de carácter. Apesar de se tratarem de pontos válidos na avaliação das listas, a lista B erra ao concentrar a sua presença mediática nestes pontos. Uma vez que aparenta ter maiores bases técnicas e organizacionais para responder aos problemas reais do clube, a lista B deveria lutar por centrar o debate nas soluções. Esse caminho tem perigos porque o primeiro a mostrar a mão acabará sempre por ser canibalizado e julgado pelos restantes candidatos, tal como visto em 2011. Mas o caminho alternativo, de discussão de passados, influências ou galões não levará à agregação de novo apoio social à lista.

A investigação de aspectos como as relações de interesses que deram origem a listas e a exploração de pontos fracos nas outras candidaturas devem ficar a cargo de órgãos de comunicação social interessados e imparciais, ou deveriam se esses existissem. Não existindo esta hipótese, não deveria ser a lista B, que se apresentava melhor preparada, a fazer esse papel, porque corre o risco de alienar votantes ainda indecisos.

A captação de indecisos consegue-se com discussão afirmativa de soluções, com apresentação real de trunfos (mesmo que menos bem definidos, como protecção contra a reacção das outras listas), obrigando os restantes candidatos a sair das sombras do comodismo da luta mediática e do julgamento de carácter. Só assim se poderá combater posições como “sou competente porque tenho passado no futebol” ou “aceito todas as soluções”.

Bruno de Carvalho deve afastar-se do tipo de quezílias onde paradoxalmente se parece dar melhor. A defesa intransigente da sua visão do clube e da interpretação que faz do passado recente e das outras candidaturas, embora sirva para reforçar o apoio que já tem, faz pouco por converter quem ainda não sabe em quem votar. De forma a tomar a dianteira das opções dos sócios, o candidato não pode contribuir para o aumento de ruído na campanha – por muito que possa ter razão – e tem que se concentrar em transmitir as suas soluções e opções estratégicas, previsivelmente mais amadurecidas e bem desenvolvidas que as dos concorrentes. Este ambiente crispado tem tudo para culminar em debates agressivos e pouco esclarecedores, o que só o prejudicará como candidato mais destacado da campanha.

Na sombra de grandes leões

João Rocha

Morreu um grande Presidente do Sporting Clube de Portugal. O grande Presidente do Sporting Clube de Portugal das últimas décadas. Que tenha encontrado paz.

Que o clube que o sobrevive consiga fazer honra  ao seu trabalho e herança. Tal como a José Alvalade, a João Rocha. Num só espaço, com um só objectivo. Um clube tão grande como os maiores da Europa.

Clássico paradigmático

Rui Patrício

Hoje assistiu-se a mais um exemplo paradigmático do que têm sido os clássicos não só em Alvalade mas principalmente no seguimento da ponte do Freixo. Um jogo com demasiado protagonismo dos seus árbitros, com critérios desiguais na marcação de faltas e atribuição de cartões, expulsões evitadas para um lado e criadas para o outro. Inclusivamente quer Jesualdo Ferreira quer Oceano Cruz foram expulsos, o que levanta problemas para a orientação técnica da equipa durante os respectivos castigos.

Fora destes aspectos, destacaram-se principalmente os jovens leões que, pela sua entrega e capacidade de sofrimento, mereciam mais os três pontos que os profissionais do aproveitamento de benefícios que se lhes opuseram. Com mais frieza e espírito de entreajuda na manobra ofensiva teria sido possível vencer a outra equipa que, apesar de ter conseguido dominar no que toca à posse de bola, pouco conseguiu fazer. Ainda assim, acho desadequado exigir ao presente plantel que, nas presentes condições de motivação e competitividade, apresente índices de aproveitamento e desempenho mais elevados. Tendo sido um passo importante resistir a um dos líderes pontuais do campeonato (ainda que em casa), a gestão da equipa e das expectativas dos adeptos tem que ser focada na subida de um degrau de cada vez. Até porque, como hoje ficou bem demonstrado, temos demasiados problemas exteriores para enfrentar sem que haja uma pacificação e reorganização interna.

Independente

A Candidatura Independente apresenta-se a votos ao Conselho Fiscal e Disciplinar sob a lista D. Já tinham concorrido nos mesmos moldes em 2011, mas a invulgaridade da lista perdeu-se na quantidade de listas independentes apresentadas nessas eleições, embora esta fosse a única ao CFD. Nestas eleições, a Candidatura Independente é a única não alinhada com as restantes candidaturas de várias listas.

Esta candidatura apresenta uma lista composta por associados relativamente anónimos, maioritariamente com actividade profissional no domínio jurídico e financeiro e tem pautado, desde a campanha eleitoral anterior, as suas intervenções acerca do estado do clube com um grande sentido crítico e com clara preocupação acerca do real estado financeiro e patrimonial do clube.

No dia de ontem, como primeira iniciativa da sua campanha eleitoral, a Candidatura Independente pediu, “no seguimento da disponibilidade manifestada pelo Senhor Presidente do Conselho Directivo”, a disponibilização de um conjunto bastante extenso de elementos de caracterização económico-financeira da situação do Clube e respectivas empresas participadas. Nesta lista incluem-se por exemplo os respectivos relatórios e contas, contratos mais relevantes, relação de empréstimos e dívidas, o mal-fadado Livro Branco e o relatório da auditoria financeira de 2011.

Demonstrando conhecimento aprofundado nas temáticas técnicas necessárias e noção das reais responsabilidades de um Conselho Fiscal e Disciplinar, com este pedido a Candidatura acaba por testar mais uma vez a mais que estilhaçada ética de serviço e responsabilização dos membros dos órgãos sociais ainda em funções.

Por definição um Conselho Fiscal e Disciplinar deve ser isento e equidistante, fazendo todo o sentido que não esteja preso por noções de “solidariedade institucional” (que normalmente significa sensibilidade política e proximidade pessoal) com os restantes órgãos sociais, em particular com o Conselho Directivo e administrações das empresas participadas.

O que teria sido de Bettencourt ou de Godinho Lopes, para não ir mais atrás aos anos de desvario de Roquette e Dias da Cunha ou de erosão patrimonial de Filipe Soares Franco, se tivessem sido pressionados a apresentar um trabalho condizente com a exigência aplicável ao Sporting Clube de Portugal? Se em vez de terem conjuntos de seus correligionários e amigos de golfe a distribuir votos de confiança e aprovações com distinção, tivessem tido elementos exigentes, independentes e com espírito crítico a monitorizarem-lhes as estratégias?

Um raciocínio semelhante poderia – e deveria – ser levado a cabo para a Mesa da Assembleia Geral. Infelizmente o funcionamento da Mesa pressupõe uma escala e nível de estruturação que pouco provavelmente estará ao dispor de um grupo de sócios anónimos, sendo que isto talvez se justifique que não surjam listas independentes para este órgão. A Mesa representa a Assembleia Geral, que simboliza a totalidade da massa associativa do clube.

Faz pouco sentido que, tal como no caso da fiscalização, as pessoas que gerem a aplicação dos estatutos e a tomada de voz e posição por parte dos sócios possam estar comprometidas com o Conselho Directivo. Daí ter apoiado a actuação da Mesa presentemente em funções: existindo um movimento de sócios com condições reunidas para convocar uma Assembleia Geral, as disposições estatutárias só tinham que ser cumpridas, sem contemplações de adequação e sensibilidade do momento que pudessem implicar violação dos estatutos. Aliás, o requerimento surge justamente motivado pela sensibilidade do momento, e não o contrário.

Especulo: se tivesse sido a lista de Rogério Alves a vencer as eleições de 2011, neste momento (03/2013) estaríamos mais profundamente enterrados nos resultados catastróficos da gestão de Godinho Lopes, em nome de uma estabilidade institucional que apenas deveria ser mantida se os sócios assim o quisessem. Relembro que no primeiro semestre desta época (até 12/2012), a Sporting SAD apresentou um resultado líquido não auditado de 22 milhões de euros negativos, mantendo a tendência de agravação de passivo a um ritmo de cerca de 45 milhões de euros por ano, para não falar na catástrofe desportiva no futebol.

Por tudo isto, julgo que faz todo o sentido a constituição de órgãos independentes que permitam a fiscalização, por um lado e a participação activa dos sócios, por outro, sem que haja comprometimento com o Conselho Directivo para além dos superiores interesses do Sporting Clube de Portugal.

Couceiro

José Couceiro

A candidatura de José Couceiro, consubstanciada na letra C, foi assumida um dia antes do prazo para entrega de listas. Esta candidatura apresenta listas para o Conselho Directivo, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal e Disciplinar, não apresentando lista para o Conselho Leonino.

José Couceiro já passou pelo Sporting e pelo futebol português em diversas fases e papéis. Depois de uma carreira fugaz como jogador de futebol, Couceiro foi presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, director desportivo do Sporting pela mão de José Roquette, administrador e posteriormente treinador do Alverca pela mão de Luis Filipe Vieira, e presidente do comité de investimentos do primeiro fundo português de investimento em passes de jogadores, constiuído pelo grupo Orey.

Em relação à função no fundo de investimento, foi responsável pelo benefício dos seus subscritores com a aquisição a baixo custo de percentagens de passes de jogadores da formação do Sporting como Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma e Hugo Viana. Como exemplo mais significativo, este fundo terá adquirido em 2002 35% do passe de Cristiano Ronaldo (à data com 17 anos) com base numa avaliação de 1,8 milhões de euros. No espaço de um ano, Ronaldo foi transferido para o Manchester United por 15 milhões, valorizando a participação do fundo em mais de 800%. O clube que o formou encaixou cerca de 9 milhões. O fundo, que conseguiu convencer o clube de que o jogador não valeria lá muito, encaixou mais de 5 milhões.

Depois do colapso do Alverca, Couceiro continua a sua carreira de treinador destacando-se a passagem em equipas como o Vitória de Setúbal, Porto, Belenenses e Gaziantepspor. Em 2010 volta a entrar no futebol do Sporting, desta vez como director geral, ficando entre Costinha e José Eduardo Bettencourt. Pouco tempo depois, estes e Paulo Sérgio saem de cena, ficando Couceiro responsável pela gestão e treino da equipa principal do Sporting. Com a entrada dos novos órgãos sociais em 2011, Couceiro é posto de parte pela tão competente e profissional estrutura de gestão implementada por Godinho Lopes e vai treinar o Lokomotiv de Moscovo, tendo sido dispensado no final da temporada por não ter atingido os objectivos definidos, onde se destacava o apuramento para uma competição europeia.

Não se pode dizer que a experiência acumulada no mundo do futebol não seja uma mais-valia. No entanto, seria bastante mais relevante se tivesse sido marcada por maiores sucessos, mesmo que relativos. Na sua carreira desportiva, destacam-se apenas a obtenção do terceiro lugar pelo Sporting em 2010/2011 e as subidas de divisão pelo Alverca. Algo curto para ser usado como passado de sucesso em campanha.

Apesar de ter sido o último candidato a avançar oficialmente, José Couceiro fez parte da paisagem mediática de preparação de eleições desde que elas foram convocadas. Ora surgiu apenas como comentador sem interesse em avançar para a presidência, ora ensaiou aproximações às diferentes correntes de influência no clube. Defendendo o seu interesse em participar na solução dos problemas do Sporting, acaba por se disponibilizar para integrar uma candidatura, desde que houvesse garantia de condições económicas e equipa constituída para avançar.

Esta tomada de posição e disponibilidade acontece numa altura em que Godinho Lopes admite ainda a recandidatura no caso de não se perfilarem opções que ele identifique como suficientemente credíveis. Simultaneamente surjem notícias de diversas sondagens a figuras mediáticas do universo político, económico e desportivo do país e do clube: Jorge Coelho, Luís Figo, Rogério Alves e até Rui Oliveira e Costa são sondados para avançar. Nesta fase, são inclusivamente lançadas notícias menos abonatórias sobre Couceiro no Record, ainda com a decisão do Godinho Lopes por tomar.

Enquanto a linha institucional do Sporting tarda em definir o seu candidato, surge a candidatura de Paiva dos Santos, através de alguma capacidade mediática e da exposição irregular de tarjas no Estádio José Alvalade durante um jogo. Esta candidatura, consolidada em apoiantes e membros da candidatura de Pedro Baltazar em 2011, afirma que quer seguir até às urnas a não ser que Couceiro se candidate.

Simultaneamente com estas movimentações e num dos seus momentos mais polémicos, Dias Ferreira aponta José Maria Ricciardi (presidente do BES Investimento, membro do Conselho de Administração do BES e vice-presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar) e Sikander Abdul Sattar (responsável da auditora e vogal do Conselho Fiscal e Disciplinar) como principais responsáveis pelo condicionamento de candidaturas à presidência do Sporting e à gestão do clube e SAD. Não é claro se esta delação resulta da pureza de consciência sportinguista ou, pelo contrário, como consequência de (mais) uma nega de apoio para avançar à Presidência. No entanto, estas acusações permitem ajudar a compreender melhor o que rodeia e como funciona a negociação de poderes no universo Sporting.

Com a negação pública de avanço por parte de Luís Figo e com a aproximação do fim de prazo para constituição e entrega das listas, Couceiro decide avançar. A este avanço, Godinho Lopes responde com a sua não recandidatura. Couceiro obtém o acompanhamento da sua candidatura pela Cunha Vaz & Associados, a mesma empresa de comunicação que assessorou Godinho Lopes até ao momento em que a Federação Portuguesa de Futebol precisou dos seus serviços. António Cunha Vaz, pessoa com opiniões muito próprias acerca de quem pode ou não pode dirigir o Sporting e com relevante experiência profissional adquirida especialmente na assessoria de comunicação a bancos, partidos e candidaturas políticas e desportivas, consolidou a sua ascensão profissional no universo Millenium BCP, o outro principal credor do Sporting.

Com o avanço da candidatura de Couceiro cai, tal como anunciado, a candidatura de Paiva dos Santos, com a particularidade de cair para todos os órgãos a que a candidatura de Couceiro se propõe (todos excepto o Conselho Leonino). Na sobrevivente lista de Paiva dos Santos ao Conselho Leonino são integrados nomes como Rui Oliveira e Costa e Vasco Lourenço. Ou seriam, não tivesse o mandatário da lista tido problemas no dia de entrega da documentação, chegando atrasado e já fora do período de aceitação de candidaturas.

Couceiro define-se como um candidato pela verdade e pela gestão rigorosa, por oposição à gestão desregrada dos últimos anos, em que curiosamente tomou parte. Como esquecer a venda de Liedson, a contratação de Cristiano e a incapacidade em encontrar soluções para ponta-de-lança, problema já crónico na SAD sportinguista?

Apesar de defender a responsabilização dos elementos directivos pela gestão que conduziram, é o candidato menos veemente na defesa dos interesses do clube face a actuação das gestões anteriores. Compreende-se; sendo defensável que Couceiro seja ponderado e que considere todas as soluções, não se pode comprometer com algo que hostilizaria as suas bases de apoio.

Couceiro difícilmente poderia definir-se como independente dos apoios que recebeu, depois de estes terem sido negociados de forma tão exposta. Até Carlos Barbosa, homem ligado ao Grupo Cofina que inicialmente reagiu contra a hipótese Couceiro quando ainda não tinha o selo da credibilidade, já veio repetir o seu insulto tradicional contra quem ousar reconhecer padrões nestas movimentações. Passando de burro a estúpido, Carlos Barbosa funciona como um indicador de alinhamento.

Quer queira quer não queira, quer tenha aceite ou não qualquer grau de ingerência ou influência na sua candidatura, Couceiro é neste momento o candidato do dito Sporting institucional. Não podendo ser, por princípio, uma cruz para Couceiro os apoios que recolhe, a idonedade e independência da sua candidatura deve ser pelo menos questionada quando, por exemplo, não aconteceu uma única iniciativa pública de recolha de candidaturas. Eu pelo menos não tive conhecimento de nenhuma.

Da mesma forma, a maior ou pior qualidade da sua campanha ou das suas opções de comunicação, mesmo que discutíveis, não podem substituir a análise do essencial. Sim, é claramente estudada a revisão que fez ao nome com que se apresenta aos associados, fazendo uma colagem eleitoralista à memória do seu tio-avô de forma a influenciar o subconsciente dos sócios menos informados ou com menor interesse em se informarem a fundo, mas não pode ser isso a contribuir para a sua maior ou menor apetência para o cargo de Presidente do Sporting Clube de Portugal.

Apesar do historial relevante no mundo do futebol português, com passagens pelo serviço a Roquette, Vieira, Orey, Pinto da Costa e Bettencourt, José Couceiro deve ser avaliado pelo que for efectivamente capaz de representar como presidente do Sporting Clube de Portugal: se o topo de uma liderança clara, forte e decisiva, se um homem de mão permeável e beneficiário de jogadas de poder e influência. Na minha opinião, parte com prognóstico muito reservado.

Carvalho

Bruno de Carvalho

Bruno de Carvalho, que apresenta as listas B com o lema Sporting no coração, confiança do futuro, surge nestas eleições como o candidato derrotado de 2011, tendo sido um dos contribuintes monetários mais significativos para a concretização da AGE requerida pelos sócios. Bruno de Carvalho foi também, nos últimos dois anos, o sócio individualmente mais activo nos aspectos associativos do Clube. As participações em Assembleias Gerais e contribuições para a revisão e aprovação dos estatutos demonstraram inequivocamente um nível de interesse inigualado por qualquer outro presente candidato ou ex-dirigente neste período.

Do historial de Bruno de Carvalho, já aprofundadamente investigado e explorado, consta a actividade profissional como gestor de empresas, particularmente no ramo da construção civil, com forte componente internacional com a Rússia. Apesar de ter sido sujeito desde a campanha anterior a um maior escrutínio que aquele aplicado a arguidos e condenados também candidatos, as acusações mais graves a que pode ser comprovadamente sujeito são as de não ter conseguido manter o interesse de um grupo de investimento imobiliário russo que, por via da excessiva burocratização, acabou por recuar no seu projecto para implantar um palácio do gelo em Lisboa.

Apesar de ser tratado mediaticamente como um arrivista ao Sporting, tem um historial associativo incomum. Para além de ter sido patrocinador e dirigente da secção autónoma de hóquei em patins (tendo chegado a vice-presidente), é também patrono de uma bolsa de estudo atribuída pelos Leões de Portugal. A esta vivências directas no universo Sporting, soma a presidência da Fundação Aragão Pinto, responsável pela integração social de jovens através do desporto, e a coordenação da pós-graduação em gestão desportiva do ISG.

Como candidato à presidência do clube, Bruno de Carvalho tem algumas particularidades únicas, que fazem dele tanto desejado por grande parte dos sportinguistas como olhado com desconfiança por outra parte. O estilo irónico, arrogante e feroz que adopta na comunicação pública e social contrasta com o típico estilo formal e bem falante praticado pelas últimas gerações de dirigentes do Sporting. Apesar deste estilo não ser o mais polido para conquistas eleitoralistas, parece-me fazer falta ao clube alguém que tenha a capacidade de defender aguerridamente os interesses e imagem do Sporting num contexto mediático e institucional que beneficia com a fraqueza do clube.

Não sendo um estilo popular e apesar de a sua candidatura em 2011 ter surgido correndo por fora, foi capaz de ganhar a confiança da maioria dos sócios votantes sem conseguir ultrapassar o número de votos conquistados por Godinho Lopes. Bruno de Carvalho terá conseguido esse apoio através do seu estilo contrastante e, acima de tudo, pela sua mensagem de forte ruptura com a gestão desportiva e financeira levada a cabo até então (e deste então também), granjeando o apoio dos sócios insatisfeitos que foram sobrevivendo às sucessivas descaracterizações dos aspectos associativos e patrimoniais do clube e  às sucessivas perdas de competitividade desportiva e financeira.

O processo de requesição e convocação da AGE sujeitou os membros da Mesa da Assembleia em funções a grande desgaste mediático. Na minha opinião de forma desporporcionada, uma vez que se limitaram em grande parte a fazer cumprir as disposições estatutárias, com a excepção de Eduardo Barroso, devido à sua voluntária e excessiva exposição mediática. Assim, foi necessário procurar uma lista alternativa para a MAG, até para evitar a mais que errada conotação de golpe de estado que se tentou dar à iniciativa de sócios tendo em vista o fecho de um ciclo. Para preencher a lista da MAG que agora se candidata, Bruno de Carvalho parece ter recorrido a círculos partidários o que, a ter sido o principal critério aplicado, não deixa de ser censurável.

Relativamente às linhas programáticas que o distinguem dos restantes, Bruno de Carvalho defende explicitamente a manutenção da maioria do capital da SAD no clube, restando saber como o pretende conseguir. Por outro lado, e em resultado da sua negação da herança de influência na gestão por parte dos bancos de que o clube e SAD dependem, esta lista defende também explicitamente a promoção de uma auditoria de gestão, tendo em vista a identificação e responsabilização de quaisquer responsável por actos de má gestão e gestão danosa. A sua lista, em particular na estrutura prevista para o futebol e finanças, mantém-se em relação às eleições anteriores, demonstrando crença nas suas próprias opções apesar da necessidade de granjear uma base de apoio mais alargada. Algo que deveria ter aplicado (ou pelo menos ponderado) em relação ao pelouro das modalidades, onde o recrutamento de Vicente Moura parece ser uma tentativa de apelar ao voto mais conservador, a somar à sua polémica experiência de gestão no ecleticismo.

A estratégia mediática levada a cabo até ao momento, embora foque elementos importantes como a legitimidade e o processo menos claro de definição de listas e compromissos de poder, parece ter um efeito algo redundante. Com as opções tomadas até ao momento, Bruno de Carvalho apenas reforça o apoio dos seus votantes por posição ou insatisfação, não disputando o restante eleitorado. Para expandir a sua base de apoio de forma a assegurar a vitória, Bruno de Carvalho terá que virar as suas intervenções para aquilo que pode fazer melhor que os seus concorrentes: liderar. Não se trata de amaciar a forma, mas de repensar o conteúdo. Os sócios indecisos não estão provavelmente interessados em saber quem sujou mais as mãos para conseguir avançar para eleições, embora devessem. Os sócios indecisos querem comparar as soluções e saídas para a situação em que o clube se encontra, e a capacidade de quem as propõe.

Verdade seja dita que parte significativa da campanha de Bruno de Carvalho, centrada no contacto directo com os sócios através de sessões de esclarecimentos e reuniões em núcleos, visa isso mesmo: dar a conhecer as suas propostas aos sócios. Mas não se pode esquecer que muito do resultado das eleições se joga no plano mediático. Sendo um plano por natureza inclinado (por exemplo, quer o grupo Cofina quer o grupo RTP têm já os papeis a desempenhar claamente atribuídos aos candidatos), é nesse espaço que Bruno de Carvalho tem de mostrar o seu interesse em resolver os problemas do Sporting. Por muito que haja listas nascidas tortas e esqueletos no armário para exumar.

Sendo assim, não é em António Cunha Vaz que Bruno de Carvalho deve concentrar os seus esforços, como se viu no diálogo de comunicados de ontem. É nos sócios que falta convencer. Não com estéreis e artificiais bandeiras de união e equilíbrio institucional, como tem sido costume nas candidaturas alinhadas com a continuidade, mas com acções positivas sobre a precepção que os sócios têm de si próprio e com propostas concretas que permitam ultrapassar a curtina de fumo mediática que o rodeia. Para que possa vencer e mostrar se é efectivamente capaz de levar a cabo a regeneração do clube.